O tortuoso caminho para a candidatura de Lula.



Prisão - Lula discursa no Sindicato dos Metalúrgicos antes de se entregar à PF para ser preso
Thiago Bernardes/FramePhoto/Folhapress
O ex-presidente Lula é figura emblemática do cenário político brasileiro e já demonstrou que terá relevante peso nas eleições presidenciais de 2018, reforça que será candidato e fará sua solicitação de registro de candidatura mesmo preso após reprovável decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Resta saber se será possível sua candidatura e quais as possibilidades jurídicas até o pleito que se aproxima.

Inicialmente cumpre destacar que o ex-presidente possui uma condenação criminal em segunda instância e que do referido acórdão são possíveis interposições de recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, quais sejam, Recurso Especial e Extraordinário, respectivamente.

O Recurso Especial é instrumento recursal com previsão constitucional e apto à reformar ou anular decisões de segunda instância quando da ocorrência de dissídio jurisprudencial, de decisão apta a contraria Lei Federal ou negar-lhe vigência e ainda nos julgamentos de validade de ato de governo local em detrimento de Lei Federal; já o Recurso Extraordinário possui como requisitos de procedibilidade o rol elencado no artigo 102, III da Constituição Federal, vejamos:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Pois bem, o “x” da questão está na instrumentalização das demandas recursais do ex-presidente no ínterim de garantir sua candidatura, é certo que ambos os recursos gozam da possibilidade de concessão de efeito suspensivo ao  acórdão recorrido, noutras palavras representaria a chancela para a liberdade imediata de Lula e a garantia da realização do corpo a corpo eleitoral. Nesse ponto, cumpre destacar que a concessão do efeito suspensivo nos recursos interpostos agiria em duas vertentes imprescindíveis à solidez jurídica da candidatura do ex-presidente.
Em primeiro plano, como já explicitado, o efeito suspensivo garantiria a liberdade de Lula e congelaria, até o julgamento das razões recursais, os efeitos da condenação criminal proferida pelo Tribunal Regional Federal o que possibilitaria provisoriamente o preenchimento dos requisitos de elegibilidade necessários ao registro de candidatura, mas o deferimento provavelmente ocorreria em novo recurso ao Supremo Tribunal Federal após certo indeferimento no Tribunal Superior Eleitoral, explicamos:

     A)     No caso de concessão de efeito suspensivo no STJ ou STF aos recursos interpostos contra acórdão condenatório o ex-presidente registraria a sua candidatura no TSE e esta seria negada com fulcro na Lei 64 de 1990 por existência de causa de inelegibilidade, vejamos:

Art. 1º São inelegíveis: [...] e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: [...]1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 

Porém cumpre salientar que a referida legislação que define os casos de inelegibilidade garante a possibilidade do que se convencionou chamar de candidatura sub judice , em apertada síntese, é aquela que lastreia-se em decisão judicial não definitiva:

Art. 26-C.  O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

     B)      Indeferido o Registro  a candidatura sub judice poderia ser garantida em liminar pelo STF baseando a plausibilidade recursal referida no texto normativo na suspensão dos efeitos do acórdão que deu causa originariamente à inelegibilidade, ou seja, uma liminar baseada em outra liminar

Tendo em vista precedente do próprio TSE, se o efeito suspensivo perdurar até a diplomação o registro de candidatura deverá ser deferido, vejamos:

0000294-62.2014.6.25.0000
RO - Embargos de Declaração em Recurso Ordinário nº 29462 - ARACAJU – SE
Acórdão de 11/12/2014
Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes
Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11/12/2014

Ementa:
ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO PELO TRE. DECISÃO MANTIDA PELO TSE. INCIDÊNCIA NA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA l, DA LC Nº 64/1990. FATO SUPERVENIENTE: OBTENÇÃO DE LIMINAR NO STJ ANTES DO ENCERRAMENTO DO PROCESSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO.
1. Fato superveniente que afasta a inelegibilidade. Liminar do Superior Tribunal de Justiça que suspende a condenação por improbidade administrativa e, consequentemente, afasta a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea l, da LC nº 64/1990.  2. Considerado ter o TSE entendido ser possível reconhecer inelegibilidade superveniente em processo de registro de candidatura (caso Arruda), como ocorreu no caso concreto, com maior razão a possibilidade de se analisar o fato superveniente que afasta a inelegibilidade antes da diplomação dos eleitos, sob pena de reduzir o alcance do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/1990 às situações de inelegibilidade que surgiram após o pedido de registro de candidatura, não proporcionando ao candidato a possibilidade de suspender a condenação.  3. Desconsiderar a liminar obtida pelo embargante no Superior Tribunal de Justiça nega a própria proteção efetiva judicial segundo a qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, inciso XXXV, da CF/1988), não competindo ao intérprete restringir essa garantia constitucional e, por via de consequência, negar ao cidadão o próprio direito constitucional de se apresentar como representante do povo em processo eleitoral não encerrado. 4. Negar o fato superveniente que afasta a inelegibilidade constitui grave violação à soberania popular, traduzida nos votos obtidos pelo candidato, plenamente elegível antes do encerramento do processo eleitoral, isto é, da diplomação dos eleitos. Entendimento em sentido contrário, além de fazer do processo eleitoral não um instrumento de resguardo da soberania popular, mas um processo exageradamente formalista em detrimento dela, pilar de um Estado Democrático, nega o próprio conceito de processo eleitoral definido pelo Supremo Tribunal Federal, o qual se encerra com a diplomação dos eleitos.  5. A não apreciação do fato superveniente neste momento violaria o art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/1988, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", pois simplesmente haverá uma indesejável postergação de solução favorável ao candidato, considerado o eventual manejo de rescisória, admitido pelo Plenário do TSE no julgamento da AR nº 1418-47/CE, redatora para o acórdão Min. Luciana Lóssio, julgada em 21.5.2013.
6. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos para deferir o registro de candidatura.

Não obstante, a lei eleitoral 9504 dispõe em seu artigo 11, §10º que “§ 10.  As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”, ratificando o entendimento de que suspensos os efeitos do acórdão condenatório no momento do registro de candidatura e perdurando os seus efeitos até a diplomação, a candidatura teria solidez jurídica e garantiria a posse do ex-presidente Lula.
Ademais, tomando posse como novo presidente da república há um consenso acerca da suspensão das ações penais em curso, inclusive as que estiverem em pendência de julgamento nos tribunais superiores e no STF, com fulcro no artigo 86 , §4º da Constituição Federal, que dispõe que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
Sendo assim, concedido o efeito suspensivo nos autos dos recursos interpostos ao STJ e ao STF pode o ex-presidente ser candidato, no mais originário raciocínio democrático caberia ao povo decidir. Uma candidatura baseada em liminares e um país à espera de urgente estabilidade.

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