O Estado Brasileiro e a rejeição à Tributação sobre lucros e dividendos


O Sistema Tributário Nacional estabelecido pela Constituição Federal de 1988 institui, diante da necessidade de arrecadação de receita para execução das políticas públicas, uma sistemática programação de repartição do custeio da máquina estatal. Nesse cenário o Estado tem limitações na sua competência de tributar em observância a princípios norteadores insculpidos no texto normativo, entre eles, o da capacidade contributiva.
Em linhas introdutórias cumpre-nos destacar que a capacidade contributiva apresenta-se como um desmembramento do princípio da Igualdade e estabelece que não haverá diferenciação na esfera tributária para contribuintes em circunstâncias econômicas similares, vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Nesse diapasão a Carta Magna dispõe que os tributos deverão ter caráter pessoal e deverão ter sua intensidade lastreada na análise prévia da situação individual do contribuinte, o texto normativo do artigo 145, §1º ratifica que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
A Capacidade Contributiva como requisito prévio à tributação representa importante ferramenta de busca por Justiça Fiscal, principalmente no Brasil que pratica uma política tributária indireta em sua maioria, com reduzida incidência sobre o patrimônio e rendimentos econômicos, o exemplo mais claro é a isenção dada aos lucros e dividendos de acionistas de Pessoas Jurídicas, importando na exclusão do recolhimento do imposto de renda sobre tal fato gerador. A Lei 9249 de 1995 assim dispõe:

Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP. [...]
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

O texto normativo supracitado garante-nos a interpretação acerca da possibilidade de declaração de renda do beneficiário com status de isenta, visto que preenche os requisitos estabelecidos pela lei de não integração à base de cálculo do Imposto de Renda os lucros e dividendos advindos dos resultados da Pessoa Jurídica na qual faz parte, significa dizer que o quantitativo tributado na atividade econômica da Pessoa Jurídica inibe a possibilidade do Estado de constituir crédito sobre o montante percebido individualmente pelo acionista ou sócio na forma de resultado.
A justificativa para a vigência da Isenção reside em um frágil entendimento jurídico do suposto “bis in idem” que ocorreria diante da dupla tributação sobre a mesma situação fática, o que não possui fundamentação idônea. A tributação tem seu nascedouro na ocorrência do fato gerador apto a causar incidência prescrita em lei para determinado sujeito passivo legalmente constituído, na análise do caso em discussão apresentam-se como diversos e dotados de obrigações tributárias próprias.
A Tributação depende diretamente da existência de um fato gerador específico para a possibilidade de constituição de crédito, nesse diapasão cumpre destacar que a exceção criada pela Lei 9249 fere frontalmente o princípio constitucional da Capacidade Contributiva, nesse sentido faz-se relevante ensinamento de AMARO (2011, p.52):

Se o fato gerador do imposto não é um ato do Estado, ele deve configurar uma situação à qual o contribuinte se vincula. O legislador deve escolher determinadas situações materiais (por exemplo, aquisição de renda) evidenciadoras de capacidade contributiva, tipificando-as como fatos geradores da obrigação tributária. As pessoas que se vinculam a essas situações (por exemplo, as pessoas que adquirem renda) assumem o dever jurídico de pagar o imposto em favor do Estado.

O relevante ensinamento ressalta que o fato gerador delimitado pela atividade legiferante fatalmente constitui obrigação de adimplemento pelo contribuinte, exemplo disso é a vinculação da tributação dos trabalhadores da pessoa jurídica que auferem renda da mesma atividade econômica já tributada e ainda assim enquanto sujeitos passivos recolhem à União seu Imposto de Renda.
O Código Tributário Nacional conceitua o sujeito passivo como “pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária” sendo aquele que possui “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador[1], a auferição de renda apresenta-se como fato gerador capaz de  garantir a tributação, vejamos o que estabelece o Código Tributário Nacional:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

O fato gerador constante na legislação infraconstitucional e incluído na competência tributária da União inviabiliza a isenção outrora concedida e atenta contra a busca por Justiça Fiscal fazendo com que a elevada carga tributária seja carregada pelos mais pobres que custeiam os tributos indiretos de consumo e o Estado dispense arrecadação de bilhões de reais que fazem falta ao orçamento, mas garante as benesses daqueles que fazem o lobby da entidade abstrata denominada “Mercado”.













AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro – 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 52



[1] Art. 121, I, Código Tributário Nacional.

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